domingo, 2 de agosto de 2015

A Trajetória da Arte de Chico Mazzoni, Uma Busca Constante de Evolução.



Por Ernesto Simões

Para mim o baiano Chico Mazzoni é um dos grandes talentos  das Artes Plásticas, sem delimitar região e há muito tempo acompanho seu trabalho que tem  uma linguagem universal e trajetória brilhante, onde através de suas obras, revela-se um incansável pesquisador. 
A arte exige sempre daquele que cria todo um percurso de experiências, vivências e percepções. Muita transpiração aliada ao lado subjetivo: emoção, visão de mundo e vontade de produzir arte e assim,  a expressão do conteúdo de toda uma vivência e isto Chico claramente demonstra nas diversas fases do seu conjunto de obras.
Sobre sua trajetória o artista muito bem delineia, revelando conscientemente sua garra, desejo e o imenso prazer de se expressar artisticamente desde sua infância, assim como o fascínio que a arte  nele despertava:

"Eu desenhava compulsivamente durante a infância, como toda criança, aí me deram uma aquarela e eu pirei. Houve muito estímulo da minha família e meu pai era grande admirador do Renascimento, comprando livros acerca. Tive contato com estas obras através destes livros que me provocaram grande interesse pela arte. Nunca mais parei de buscar imagens que me conduzissem ao meu desejo de produzir arte. Mas na hora de escolher uma profissão eu tive que ser pragmático e buscar uma que me sustentasse. Optei pela arquitetura, por razões óbvias. Com 24 anos fui fazer pós-graduação na Itália e pirei de novo, em contato com aquelas obras que eu conhecia dos livros do meu pai e trabalhei fundo com o desenho. Organizamos uma expô em Firenze, só com os brasileiros que estudavam lá e então tive contato com estudantes de crítica de arte que visitaram a mostra. Eles diziam que eu tinha muita habilidade mas que minha busca era muito "estetizante". Isto provocou uma desconstrução no meu modo de encarar a arte e eu passei a trabalhar conscientemente a minha linguagem, no sentido de não ter medo de quebrar os paradigmas renascentistas que me orientavam, até então. Voltei para o Brasil, 2 anos depois, produzindo como um louco e três anos depois fiz minha primeira individual". 

“Começando com desenhos muito puros, quase displicentes, fiz uma primeira mostra quase de improviso. (Chico Mazzoni – desenhos)"... 

Esta Primeira exposição do artista foi realizada em 1983, na Aliança Francesa, em Salvador e os trabalhos apresentados com temas variados, assim como configurações, onde  sutilmente já expressa uma busca de identidade e linguagem pessoal, mesmo que inconscientemente,  porém denota nestas obras, seu espírito de pesquisa mesmo  sem compromisso, experimenta as relações de forma/espaço e com isto já cria obras de grande teor e expressividade, registrando o início de uma trajetória  de constante evolução .







"Fui  então  para a trama das imagens absolutas (imaginália), desprovidas de textos e bulas, puramente desenhadas". 

Nesta Exposição Imaginália realizada em 1984, no Hotel Meridien, em Salvador o figurativo e o abstrato funden-se e o tema não é também o mais relevante, porém consegue expressar um maior domínio do desenho, onde a figura humana aliada à geometria prepondera, assim como na relação figura e espaço, numa harmonia cromática com maior expressão. Mas o mais impressionante nesta fase é a pura emoção impregnada à obra, embora em suas criações o desenho, onde a razão se manifesta fortemente, denota ritmo, boa continuidade e movimento que aliados dão vigor à composição, rica em dinamismo e tensão espacial,  revelando uma forte relação e equilíbrio entre razão e emoção, assim  o artista conquista uma maior maturidade e expressividade em sua obra.





"Entrei em seguida na trama da cor (Arte –de- cor). Arte feita só de cor como um Matisse ou um Cezane? Muito importante, mas chapada, cristalizada, carente da ação. Mergulhei no drama que um olho pode capturar. A cena pela ótica, a cinética, a semiótica, (Cena&Ótica) personagens deliberadamente em marcação cênica, em pintura absoluta, mas o show tem que continuar...a pureza do desenho começou a me faltar. Logo viajei para o ZEN (deZENho) , o essencial, o uno  e nele só o desenho me redime e me ressignifica. Dois anos de beligerâncias entre as formações de artista e de arquiteto resultaram em diásporas e dicotomias expostas em Par ou Ímpar", mostra das coisas e seus duplos ou seus opostos que fecha o ciclo construtivo....."

Sua exposição Par ou Ímpar, em 1990, realizada no ICBA- Instituto Cultural Basil Alemanha, em Salvador, o construtivismo geométrico se mostra claramente em suas obras e assim o arquiteto se evidencia e embora a cor esteja mais pura e vigorosa, o desenho está como sempre fortemente presente nas configurações,  porém numa composição mais sintética, com soluções menos rebuscasdas, denotando uma maior evolução, principalmente no tratamento figura/ fundo, e assim, ambos têm o mesmo grau de importância e conotação, fundindo-se, e o ritmo, movimento, e dinamismo, marcas sempre presentes em suas criações, ficaram relativamente contidos como num duelo de tensões ou busca de Equilíbrio..






..."até o surgimento da luz no fim do túnel, literalmente, derivando na mostra “Por esta luz q me alumia”, de exclusiva pintura sobre tela, técnica que enfatiza o pouso insuspeitado da luz sobre variadas figuras"... 

Expô POR ESTA LUZ QUE  ME E ALUMIA, 1995 - Diagrama


Nesta mostra a luz e  sombra se tornam elementos importantes, com ricos jogos de claro/escuro e desta forma  o escultórico e o arquitetônico são marcantes, revelando uma busca contante de soluções plásticas, porém numa linha de continuidade coerente aos caminhos percorridos. Com isso sua marca está registrada e neste processo  onde artista plástico e arquiteto se fundem e uno geram obras de arte com efeitos visuais incríveis e um domínio na ocupação do espaço, que embora sempre estiveram presentes, porém agora com mais elementos estruturais, a volumetria das figuras sobressaem, não só pelo traçado, mas pela   luz e sombra à sua obra mais evidenciados.








"A trama da luz perdura até a exposição seguinte “Estação da Luz”, mas aí a pintura, aplicada agora com maior rigor, adquire solenidades para compor uma tecitura de entidades iluminadas."

Expô ESTAÇÃO DA LUZ, 1997, Museu de Arte Sacra da Bahia

Para mim esta exposição  reúne trabalhos  que representam o ápice de toda sua trajetória até então, embora o tema não seja o foco principal, mas tem uma maior relevância, pois discorre desde a sensualidade aos aspectos místicos, etnícos, inclusive de várias culturas, desde a nossa regional, brasileira,   à  europeia,  em algumas   imagens que nos remete ao renascimento, assim como em outras à religiosidade católica, que por nós foi tão bem incorporada e que são ícones de nossa cultura popular e erudita, assim como a africana que se sincretizou. Não obstante a essas,  a oriental muito explicita em algumas obras, porém o mais importante é sua forma de representação.
Num momento onde de posse de um maior domínio técnico e maturidade profissional, sentiu-se bastante à vontade para percorrer esses caminhos, em alguns momentos de forma poética, em outros alusivas às influências herdadas e assim deixou registrada também, a liberdade de quem produz arte numa linguagem universal.
Plasticamente os elementos estruturais muito bem utilizados como ferramentas de sua produção e aliados aos inteletuais conferem um espetacular resultado, em composições surpreendentes e bem resolvidas. 
Pelo uso da cor monocrómática, registra um momento em que deu uma parada na Estação da luz,  que para existir compactua com  a sombra e se deleitou nos belos efeitos que estes elementos proprcionam, pois como um desenhista surpreendente e inquieto artista em busca de uma linguagem para imprimir sua marca às criações, com uma   forma laboriosa e pazeirosa de produzir. Acerdito que todas as experiências vividas intelectualmente até então, muito infuenciaram esta fase, e se incorporaram aos aspectos acima citados, nos dando a impresão ou talvez convicção que neste momento refletiu um cabidal de percepções apreendidas na suas pesquisas e observações desde muito jovem sobre as artes, dos nossos primordios até  o período por ele registrado. Particularmente gostei muito deste momento de suas criações.














































Essa tendência ao icônico, ao hierático, conduz-me ao arquetípico: os mitos. Fiz a exposição “Milênios no ar” um passeio sobre os mitos concretos (e também abstratos, como o olhar). A figura ganha olhos, cérebro, pensamento e um discurso.


Exposição Milênios no Ar ( 2000 )

Exposição realizada no Bahia Design Center, Trapiche Adelaide, Salvador/Bahia, ano 2000

(Fotos by Saulo Kainuma)

"Neste ponto permiti-me instrumentalizar este cabedal para resolver as questões primordiais de minha persona ítalo-brasileira e propor a Brasiliana."– uma mostra exclusivamente temática".


“Nunca tive antes a preocupação de fazer uma arte brasileira, foi uma coisa espontânea que surgiu agora na maturidade. Acho que procurar em mim a raiz brasileira partiu da minha própria mestiçagem: sou meio italiano e meio Recôncavo. Pela primeira vez tive uma temática pré-estabelecida e mergulhei nela com rigor e policiamento para não cair no lugar comum. O meu aliado foi a minha linguagem, que me permite brincar com o popular à minha maneira..."




"Na procura de uma linguagem própria, me permito utilizar a arte para resolver minhas questões pessoais, o tema passa ser apenas mais um motivo para desenvolver a minha expressão plástica. Me sinto um artista extremamente livre e descompromissado. Só faço o que gosto em arte e quando quero. Evidentemente que depois de 20 anos de carreira, data que comemorei na BRASILIANA. em 2003, já me sentia suficientemente instrumentalizado com as técnicas para me arriscar em muitas direções diferentes, já me sentia maduro para isto. A partir de Brasiliana comecei a trabalhar com exposições temáticas, a priori e gostei disto."

Exposição BRASILIANA ( 2003 )



Para mim nesta mostra Brasiliana, se confirma não só o aspecto do artista Chico Mazzoni ser um incessante pesquisador e sua busca sempre de uma identidade, aspecto esse, que  para mim, há muito já se consolidou, pois toda sua obra tem a marca registrada de sua genialidade.
Os trabalhos apresentados dentro de um único tema, onde propõe pela sua descendência italiana imprimir à sua obra a sua mesclagem como brasileiro, embora já tivesse em outros momentos incursionado por temas étnicos, porém só neste momento se fixa em sua terra, abordando assuntos variados, e com isso reflete uma grande liberdade de expressão mesmo quando se propõe a estar preso a uma única temática.
Como artista livre e descompromissado com o estabelecido, inquieto,  e talvez por ter optado pela carreira de arquiteto como ele mesmo disse para sobrevivência, à arte se privilegia desta liberdade, sem se preocupar ou estar preso a formúlas ou rótulos para atender a clientela ou mercado de arte.
Esta é a grande vantagem do artista que produz por amor à arte e pelo prazer do ofício, cumprindo mais que seu papel social, mas sua realização pessoal.
Estes aspectos se tornam muito transparentes em brasiliana, que  Chico Mazzoni faz arte principalmemente por amor.
Enfocando e privilegiando um tema, algo nunca antes ocorrido, foi   diversificando nele os assuntos, e as formas de representações plásticas e configurações que permitiram ao artista brincar, e registrar seus sentimentos e visão de mundo. Incursionando desde o religioso ao mundano brasileiro, sem esquecer a música e o futebol, em momentos se apropria de elementos estruturais de luz e sombra, em outros dispensa-os e se utiliza da cor e dos contrastes que  ela propicia e em alguns momentos sua contemoraneidade , que se evidencia desde o início de sua trajetória se solidifica em imagens que nos faz associar a arte digital, pela configuração e perfeição técnica de quem muito trabalhou para adquirí-la.


















































"Cansado das profundidades das duas mostras anteriores, venho à superfície e encontro, nas rasuras, motivos para, mais uma vez, fazer a arte emergir: é a trama do pop que domina agora a expressão de um mundo globalizado (POP-UP)."

Nesta mostra POP-UP, Chico Mazzoni se disvencilha das tradicionais configurações  e neste momento se apropriando de efeitos texturais, grafismo e tramas de composição modular, e de forma genial compõe obras onde o domínio do desenho e da técnica chega ao seu àpice, visto que tecnicamente tinha trilhado e esgotado por toda uma evolução, e na sua inquitude, busca novas formas de representar a figura e conceber os espaços, e consegue assim fazer com uma outra linguagem,  com pontilhismo, texturas, grafismos, indicando superposição de planos, volumetria das figuras, efeitos de luz, nos remetendo à arte fotográfica e digital, como se na pintura conseguisse efeitos de filtros, conferindo nesta fase mais ainda sua contemporaneidade, com temas mundiais, ícones universalmente conhecidos, que ao meu ver são meros motivos para conceber suas criações e executar o que o seu espírito de pesquisador de novas formas de reprtesentação e assim habilmente consegue e nos brinda como obras de arte que instigam nosso olhar e imaginação. 




























"Consolida-se a fase da tinta acrílica dimensional, com seu relevo e suas tonalidades cintilantes, que vai, gradativamente, aposentando os pincéis: o desenho rápido saído do bico da bisnaga que se solidifica em baixos relevos contrapostos a fundos chapados. Põe-se, mais uma vez, necessidade de costurar ambivalências, dicotomias, diásporas, para resolver mais uma questão: artista/arquiteto, artista, arquiteto. Outro projeto, outro tema: as Cidades Invisíveis. A mostra vem para responder ao meu dilema: as cidades mostraram-me todos os vieses, arquitetônicos, urbanísticos, estéticos, psicológicos e críticos". 



CIDADES INVISÍVEIS - Exposição de Pintura de Chico Mazzoni - Centro Cultural dos Correios - Sé-SSa/BA 


Nesta mostra os trabalhos por Chico Mazzoni criados têm como tema as cidades com "..todos os vieses, arquitetônicos, estéticos, psicológicos e críticos". Neste momento o artista consolida a fase da tinta acrílica, e em bisnagas, constroe composições  em relevos, de forma abstraída em alguns trabalhos que são representados  em grafismos, texturas, e tramas,  num processo de domínio desta nova forma de se expressar. Desde a exposição anterior, já utilizou a técnica porém nestes trabalhos, o artista arquiteto e arquiteto da arte, na sua busca e capacidade de encontrar soluções e meios pessoais para expressar suas idéias, construindo com todo seu conhecimento do desenho e dos recursos composicionais na solução da forma e espaço, arquiteta competentemente  suas obras.

A exatidão com que concebe seu trabalho, certifica-o grande desenhista e técnico, nas suas exatas, porém emocionais obras de arte que jamais se tornam invisíveis aos olhos do observador, pois como sempre instiga nossa percepção e o interesse de compreensão do seu grande potencial.
Explorando o ritmo, a boa continuidade, a lei da similaridade, elementos intelectuais da composição plástica, e que caracterizam muito estas suas criações, pois através deles aplica texturas, grafismos, pontos, linhas e formas com total consciência.
A temática urbana, cotidiana das grandes cidades e tudo que num contexto amplo se torna invisível aos nossos olhos, e desta forma nos faz refletir em cada detalhe concebido pelo artista, contextos sociais, coletivos e individuais para serem refletidos.









































"TRAMAS SINCERAS constitui-se agora numa reflexão importante sobre as mostras realizadas nestes 30 anos. Nela não me contento em revisitar-me e muito menos me subtraio a meus temas ou assuntos de interesse, minhas técnicas, minha linguagem mas depuro tudo isto numa trama nova, desconcertante, inédita de revelar o indizível, minha função como artista.”

TRAMAS SINCERAS - Circuito das Artes 2012 - Museu de Arte da Ba


Em tramas sinceras o artista se abstrai de todos os recursos plásticos  apreendidos no decorrer de sua trajetória e de forma espontânea, nesta nova técnica de bisnagas  de tinta acrílica, cria tramas, onde a emoção prepondera a razão e o grafismo dominante,  com traços, símbolos em relêvo,  nos faz perceber que está a caminhar para uma nova forma de  expressar a sua cosmo visão.










Finalizando esta explanação e mostra de toda trajetória percorrida pelo Artista Plástico Chico Mazzoni, sintetizo com seu próprio depoimento, que de forma incisiva define sua obra e busca :


"Meu maior interesse, como se vê, é buscar uma linguagem, uma expressão própria, uma identidade, no cenário da arte brasileira. Sou um grande experimentador, no que diz respeito à técnica porque entendo que isto se adquire com prática e experimentação mesmo. Técnica prá mim é tentativa e erro, nada mais. Quanto aos motivos que escolho, são meros pretextos para desenvolver a minha linguagem, a minha identidade. Isto me dá uma imensa liberdade de escolha. Qualquer questão, imagem, viagem, pode suscitar uma inspiração. Posso ir em qualquer direção para me exprimir pois meu único engajamento é com a linguagem, a maneira de dizer o indizível que é, num clichê definitivo, a função da arte".